domingo, 15 de novembro de 2009

O Ponto Zero do Usuário


Que a Web 2.0 não passa de um rótulo, isso se percebe de início. Tampouco se discute que não houve uma assim-nascida Web 1.0 que a precedeu, porque afinal as duas webs são uma só, e podem ser concomitantes. O que muda é o usuário.

Antes, surpreso e impactado com o milagre da multiplicação do conteúdo, ele vibrava com a possibilidade de acessar informações que nunca vira em seu computador, e agora estavam disponíveis a um clique de distância. Era como se a meia dúzia de arquivos que tinha salvo naquela máquina que enfeitava a escrivaninha do quarto agora se reproduzissem vertiginosamente, e ganhassem vida própria, com conteúdos que ele próprio não conhecia, nem nunca tinha visto.

Depois, veio a descoberta – ou a lembrança – de que por trás daqueles textos (e imagens, e sons) havia pessoas. E se eles – os textos – estavam ali, as pessoas deviam estar por perto. E o usuário quis mais: quis estar lá, ser ele próprio o agente, o portador da notícia, o comentarista do fato. Quis discordar, concordar, transgredir, produzir. Quis criar.

Se essa é uma história a se contar em dois atos, vamos chamá-los de Web 1.0 e Web 2.0. Tão imperfeita quanto a divisão clássica da História em eras, essa tentativa de segmentação confirma a tese do filósofo e historiador britânico R. G. Collingwood, para o qual “os compêndios de História começam e acabam, mas outro tanto não acontece com os fenômenos que nele são registrados”.

O importante a se considerar é que os tais fenômenos que justificaram a teorização acerca da evolução da Web envolvem aspectos comportamentais (como a postura do usuário diante do que é oferecido), mas também tecnológicos e até mercadológicos.

O comportamento passa pela mudança de passivo para ativo, de receptor para produtor ou co-autor, de indivíduo isolado para membro de comunidades, de atividade anônima para a disseminação de informações pessoais que às vezes beiram o exibicionismo. A busca não é mais como tentar achar uma agulha num palheiro: os mecanismos estão cada vez mais robustos, e são capazes de “aprender” com o comportamento do usuário. Além disso, sai a forma tradicional de classificação de conteúdos, e entra a livre rotulagem, a marcação sob critérios pessoais.

As transformações vieram a reboque da tecnologia (ou terá sido o contrário?), e novas possibilidades se abriram. Com o recurso do “mashup”, os dados também deixam de ser passivos, e podem ser misturados, combinados entre sites diferentes, mudando a própria forma de apresentação. As páginas exibem ferramentas de interatividade, desde a opção de incluir comentários e fazer avaliações, até a de selecionar conteúdo pelas recomendações de outros internautas. Ajax, XML, Flash... termos obscuros para os leigos passam a fazer parte do dia a dia de quem nem sabe o que significam. E as conexões ficam mais velozes, com a evolução dos computadores e das plataformas de acesso.

Mas na era em que o capitalismo se impôs, também o mercado dita os rumos. A possibilidade de fusões entre diversas empresas de internet criou um movimento em que os serviços de uma podem ser absorvidos e aprimorados por outra. Uma economia invisível passou a existir por trás dos cliques recomendados, que curiosamente oferecem exatamente aquilo que se deseja. O próprio modelo de negócios passou a se basear na oferta de serviços gratuitos, com o intuito de atrair o usuário, observar seus hábitos, conquistá-lo até tornar inevitável a demanda por serviços “premium”, mais sofisticados.

Onde tudo isso vai parar? Difícil idealizar. Já se fala em Web 3.0, em que os computadores seriam mais, digamos, inteligentes. Poderiam entender melhor a intenção dos usuários. Seria a chamada Web Semântica, em que o contexto passaria a ser elemento de valor. No campo tecnológico, surgem equipamentos com foco na portabilidade e na convergência, e as conexões ficam mais fáceis. A Finlândia acaba de estabelecer o acesso à banda larga como direito fundamental de seus cidadãos. Mesmo no Brasil, o governo já anuncia um plano nacional de banda larga.

Mas toda essa revolução pode ser invisível aos olhos de quem não está atento. Desconsidere-se o enorme contingente de pessoas ainda sem acesso ao computador, porque esses ainda vivem a fase da Web 0.0. O que preocupa, e surpreende, é o comportamento daqueles que têm acesso a equipamentos modernos e conexões velozes, e continuam a usar o computador como uma máquina de escrever. Não são “analfabetos digitais”, apenas não sabem como tirar melhor proveito do que têm em mãos. Não conseguem derrubar o muro entre a Web 1.0 e a Web 2.0. Repetem a postura do consumidor contemporâneo, que compra o melhor aparelho de microondas, mas se limita a aquecer o prato na hora do almoço. Para estes, ganha ainda maior relevância a reflexão do professor mineiro Daniel Monteiro: “antes de criarmos os metadados da Web 3.0, dos sistemas, das inteligências artificiais, vamos nos preocupar com os nossos “metadados”, com a semântica disso tudo para nós mesmos”.

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